quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um útero com vista

Imagem: http://aervilhacorderosa.com/2007/04/um-utero-com-vista/

Essa matéria é muito legal e saiu na revista Pais e Filhos de Portugal há algum tempo.


«O bebé torna-se a continuação do nosso corpo. É como se ainda estivéssemos grávidas». É assim que Zélia Évora descreve a sensação de andar sempre com o seu filho Rafael ao colo, transportando-o num pano. Conheceu este método de carregar o bebé durante a gravidez, em 2005, e, como não encontrou nenhum pano apropriado à venda em Portugal, pediu a uma amiga que lhe enviasse um da Alemanha.

«Comecei a usá-lo assim que o Rafael nasceu. Era óptimo porque, como eu não gostava muito de estar em casa durante a licença de parto, ia para o parque com ele no pano e era muito prático», lembra. Além de poder estar sempre junto ao seu filho, Zélia descobriu ainda outras vantagens na utilização do pano. «Estando sempre ao meu colo, o Rafael tinha acesso à mama facilmente e eu nem precisava de parar para dar de mamar. E como o movimento o cansava durante o dia, ele dormia sempre bem à noite.» Ao contrário do que se possa pensar, Zélia garante que o peso do bebé não a maçava, nem lhe provoca dor de costas. «É importante que o bebé esteja posicionado acima do umbigo da mãe, que é o ponto de equilíbrio. Assim, o peso fica distribuído pelo corpo todo e não causa dor de costas.

Cheguei a ir com ele no pano das Caldas da Rainha a Lisboa, de transportes públicos», conta, sublinhando ainda a vantagem de não ter de enfrentar obstáculos constantes na rua como acontece com o carrinho de passeio. Zélia conta que, por várias vezes, foi abordada na rua sobre o «estranho» método de transporte do seu bebé. Foi nessa altura que começou a pensar em fazer da divulgação dos benefícios do pano uma missão. Procurou informação, contactou especialistas e tornou-se moderadora da NINO (Nine in Nine Out), organização que promove os benefícios dos porta-bebés.

Hoje, Zélia tem um site e um blogue dedicados ao “Clube do Pano”, onde também vende panos de várias formas e feitios, e organiza workshops para pais que queiram saber mais sobre este método de carregar o bebé.

INSPIRAÇÃO AFRICANA

Apesar de só agora estar a chegar aos países ocidentais, a utilização do pano é vulgar em muitos países africanos. António Roque, pediatra na Clínica da Mãe e da Criança, em Lisboa, conhece bem este tipo de porta-bebés graças aos dois anos que passou em Moçambique. «Os miúdos andavam muito felizes enrolados nos panos das mães», lembra o médico.

«Eram miúdos mais desenvolvidos fisicamente do que os ocidentais, que passavam os primeiros tempos abandonados na alcofa ou no ovo. Aos seis meses já se sentavam perfeitamente, sem apoio, enquanto aqui a maioria começava, e começa, a sentar-se por volta dos nove meses.»

Na opinião do pediatra, isto acontecia devido à actividade contínua a que estavam sujeitos por estarem “colados” à mãe. «Enrolados no pano, os bebés mexem-se com o movimento da mãe e isso faz com que se tornem mais desembaraçados. Por outro lado, como a mãe está em permanente contacto com a criança, fala mais com ela, toca-lhe mais. Logo, os bebés são mais estimulados e andam sempre bem dispostos.» No entanto, António Roque reconhece que passar essa tradição para o Ocidente poderá ser um processo difícil. «É uma questão cultural. As mães ocidentais estão mais habituadas a fazerem as suas coisas com o bebé na alcofa e acham que se podem cansar com o bebé ao colo. Compreendo também que se sintam estranhas por andar com um bebé enrolado num pano na rua.» Talvez seja por isso que o pediatra ainda não conheceu nenhuma mãe que utilize o pano para transportar o seu bebé em Portugal.

Mas, mais do que um simples meio de carregar o bebé, o pano promove o colo e o contacto físico entre mãe e filho. E são vários os estudos que têm demonstrado a importância do colo no desenvolvimento dos bebés. «Carregar intensamente o bebé ao colo modifica o choro “normal”, reduzindo a sua duração e alterando o padrão típico de choro e agitação nos primeiros três meses. A relativa falta de colo na nossa sociedade pode predispor o bebé normal a choro e cólicas». Pode ler-se nas conclusões de um estudo realizado pelo Montreal Children’s Hospital Research Institute e publicado na revista Pediatrics, em 1986.


PREVENÇÃO DA DISPLASIA DE DESENVOLVIMENTO DA ANCA

Natália Martins, fisioterapeuta no Hospital Distrital do Pombal, começou a investigar os benefícios do pano devido à sua aplicação no tratamento da displasia de desenvolvimento da anca, um defeito na articulação da anca em que a cabeça do fémur não se encontra correctamente colocada na respectiva cavidade.

Esta doença é diagnosticada, geralmente, à nascença e exige um tratamento complicado. Nos casos mais severos pode mesmo ser necessária uma intervenção cirúrgica ou a utilização de um aparelho que obrigue as pernas a ficarem afastadas, permitindo que o fémur rode na cavidade da anca. «A postura vertical que o pano proporciona ao bebé é óptima e indicada para este problema. De uma forma agradável está a contribuir-se para a sua correcção», refere a fisioterapeuta, frisando que os benefícios estendem-se também aos bebés que não têm este problema, como forma de prevenção. «Os ligamentos do bebé ainda estão em formação, por isso manter as pernas afastadas é a melhor posição possível para prevenir a manifestação da doença.»

Natália Martins acredita que os casos de displasia da anca estão a aumentar devido a hábitos que se perderam: «Antes havia muito menos diagnóstico porque as mães andavam mais com os bebés ao colo, encaixados na anca, e também por causa das fraldas de pano. Ambas as situações obrigavam os bebés a permanecer mais tempo com as pernas afastadas e evitavam a manifestação da doença.» Por isso, para a fisioterapeuta, o pano é o meio de transporte de eleição para o bebé, sendo também benéfico para a mãe. «É normal a mãe ter dores nas costas no período pós-parto devido à fraqueza dos músculos abdominais e à sobrecarga física causada pelos cuidados ao bebé. Andar com o bebé no ovo só agrava a situação devido ao peso do conjunto e ao facto de provocar um desvio grande na coluna. Com o pano, a posição da mãe está correcta porque o peso está equilibrado. Para o bebé também é melhor do que estar sempre sentado no ovo.» Comparando o pano com o marsupial, Natália Martins destaca a versatilidade o pano. «O contra do marsupial é ter um formato standard e, por isso, mais difícil de ajustar ao nosso corpo, podendo tornar-se desconfortável»


MUITAS FORMAS E CORES

Há vários tipos de panos criados especialmente para transportar o bebé sempre ao colo. O mais vulgar chama-se simplesmente pano e consiste num longo tecido rectangular que permite “colar” o bebé à mãe em muitas posições: deitado, sentado, de lado, à frente ou nas costas. Mas existem outros modelos com outros nomes. O sling (tira de pano) - um tecido ajustável ao corpo da mãe através de duas anilhas - e o pouch (bolsa) - um anel de tecido que se enfia na diagonal entre o ombro e a anca da mãe, permitindo criar uma “cama” para o bebé junto ao colo - são os mais populares e estão à venda em vários sites na Internet. Em comum têm a versatilidade, a originalidade dos padrões e o facto de permitirem aos bebés voltarem a “encaixar” no corpo da mãe.

Os utilizadores do pano comparam a experiência a uma gravidez prolongada. «A barriga dura 18 meses: nove meses dentro da mãe e nove meses fora», lê-se no site do famoso Dr. Sears, pediatra norte-americano, pai de oito filhos, autor de mais de 30 livros sobre pediatria e presença constante em programas de televisão americanos. O pediatra defende que esta “gravidez prolongada” pode ajudar o bebé a regular os seus ritmos: «O ambiente dentro da barriga da mãe organiza automaticamente o sistema do bebé. Depois do nascimento, há uma interrupção desta organização. Prolongando a vivência do útero, está a ajudar-se o bebé a organizar o seu sistema», descreve o médico, exemplificando: o bebé tem a possibilidade de ouvir o coração da mãe, acompanhar o movimento do seu caminhar, sentir a sua respiração. No fundo, o bebé tem as mesmas comodidades de quando ainda estava dentro da barriga da mãe com a mais-valia de poder conhecer o mundo. É, como muitos defensores do pano lhe chamam, um verdadeiro «útero com vista».


fonte: http://www.paisefilhos.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=996&Itemid=62

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